sexta-feira, 3 de agosto de 2012

PRESERVAR PATRIMÔNIO ARQUOLÓGICO NA GUERRA


Li esta matéria sobre o patrimônio histórico e sítios arqueológicos que devem ser preservados, principalmente durante a guerra. Realmente a loucura humana das guerras já causaram grandes destruições para a arqueologia, pois na hora da guerra, vencer o inimigo se torna a única coisa que importa. (Comentário do historiador Valdemir Mota de Menezes)
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19/03/2003

O patrimônio histórico iraquiano: uma vítima esquecida

MARCELO REDE

especial para a Folha Online



Nos debates sobre uma eventual guerra no Iraque, tem-se falado abundantemente das possíveis consequências econômicas globais de um ataque norte-americano, assim como das inevitáveis alterações na configuração de forças no Oriente Médio.



Tais preocupações econômicas e geopolíticas são, evidentemente, justificáveis. Uma outra esfera, no entanto, não tem recebido a devida atenção: o impacto de tais eventos sobre o patrimônio histórico iraquiano. Não se trata de pouca coisa. Se alguma vez a expressão "berço da civilização" teve sentido, foi justamente para designar o conjunto de sociedades que compuseram a antiga Mesopotâmia.



A região que corresponde hoje ao moderno Iraque viu, há alguns milênios, surgirem os primeiros esforços humanos para a domesticação dos animais e a realização da agricultura. Nas planícies banhadas pelos rios Eufrates e Tigre surgiram as primeiras cidades da história. E, ao que tudo indica, a primeira vez que o homem colocou uma língua por escrito se deu em Uruk, no sul mesopotâmico.



Assim, alguns fenômenos matriciais do que se convencionou chamar de "civilização" tiveram seus primeiros balbucios no antigo território iraquiano. Embora milenares, esses processos deixaram suas marcas na paisagem na forma de centenas de cidades, palácios, templos e quarteirões residenciais que hoje formam os "tells", as colinas que escondem abaixo de si os resíduos arqueológicos de uma experiência histórica singular. Some-se a isso os milhões de tabletes de argila em que os antigos sumérios, assírios e babilônios registraram em sua escrita cuneiforme desde simples contratos de compra e venda de terras e escravos, atos de casamento, herança, adoção, até os mais antigos textos literários da humanidade. Trata-se do maior conjunto de escritos antes da invenção da imprensa por Gutemberg e um número incalculável deles encontra-se ainda no subsolo iraquiano.



Os atentados contra esse patrimônio fazem parte da história da região. A situação de perigo não é nova. Grande parte dos objetos e textos conhecidos dos especialistas e do público provém de escavações clandestinas. No início do século 20, o sítio de Senkereh, a antiga cidade-reino de Larsa, foi de tal modo saqueado pelos beduínos que sua superfície parecia um campo de batalha. No início dos anos 30, uma intervenção da Aviação iraquiana foi necessária para abrir o terreno para arqueólogos profissionais. Os tabletes clandestinos foram parar no mercado de antiguidades antes de serem comprados por grandes museus europeus e norte-americanos.



Mesmo as expedições oficiais dos primeiros tempos da arqueologia pareceram-se mais com saques impiedosos. Monumentos inteiros foram removidos e enviados para algumas capitais ocidentais. A grandiosa porta de Ishtar da Babilônia encontra-se hoje em Berlin; os murais em pedra com relevos dos palácios assírios, em Londres; os touros alados de Khorsabad podem ser vistos no Louvre, em Paris, ao lado da famosa estela do código de Hamurabi.



Durante a época em que o Iraque fazia parte do Império Otomano, as autorizações de escavações eram dadas mediante o envio de uma parte do butim para os museus de Istambul e Ancara. Em 1932, com o país já independente, uma lei de proteção das antiguidades limitou a sangria: a partir de então, o resultado das escavações deveria ficar em território iraquiano.



A tumultuada história política recente da região, com seus conflitos étnicos e religiosos, guerras e golpes de Estado, também contribuiu para o agravamento do problema. A guerra Irã-Iraque (1980-1988) e a Guerra do Golfo (1990-1991) resultaram em destruição e paralisaram os cuidados de manutenção e a exploração científica por duas décadas.



No intervalo entre os dois conflitos, muitas missões estrangeiras retornaram ao país, mas os trabalhos não duraram. Nos últimos anos, arqueólogos e historiadores voltaram a campo. O Museu de Bagdá, que fora parcialmente esvaziado durante os intensos bombardeios da capital, estava sendo reestruturado, a duras penas devido à falta de recursos e pessoal qualificado. Os alemães voltaram a escavar Assur, uma das capitais do Império Assírio, cujo sítio está parcialmente ameaçado de inundação devido à construção da barragem de Makhul. Os franceses enviaram uma expedição a dois sítios na região do Sindjar, ao norte. Um grande colóquio internacional foi organizado no país para celebrar a invenção da escrita. O novo quadro de tensão ameaça interromper uma vez mais todos os esforços.



Quando se fala em destruição do patrimônio histórico, as atenções concentram-se normalmente sobre os estragos imediatos da guerra. Evidentemente, eles não são negligenciáveis. A poucos metros do sítio de Babilônia ergue-se um dos palácios de Saddam Hussein. Tais construções são suspeitas de acobertar laboratórios de pesquisa bélica, depósitos de armas e munição ou refúgios militares. Um ataque a tais alvos certamente causaria danos aos monumentos vizinhos.



No último conflito, arqueólogos forneceram aos militares um mapeamento dos sítios históricos a serem evitados, mas até mesmo a precisão de um bombardeio cirúrgico tem seus limites, como ficou demonstrado. O fato de os Estados Unidos não serem signatários da convenção da ONU de 1954 sobre a proteção do patrimônio histórico em situação de conflito armado faz crescer ainda mais os receios de uma ação catastrófica.

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