sexta-feira, 3 de agosto de 2012

BAGDÁ CORRE RISCO

Os muitos conflitos em Bagdá tem cada vez mais ameaçado o patrimônio histórico da região. A guerra sempre foi uma causa de destruição das relíquias do passado. A guerra náo respeita a vida das pessoas, é infantil acreditar que respeitará pedras e barro. (Comentário do Escriba Valdemir Mota de Menezes, Historiador)

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Bagdá: um símbolo da história corre risco


MARCELO REDE

especial para a Folha Online



O assombroso espetáculo de explosões visto desde o início da segunda guerra do Iraque teria um impacto imenso mesmo que as bombas estivessem caindo sobre uma cidade desconhecida e sem passado.



Mas não é o caso. O ataque tem um significado maior porque o alvo principal é Bagdá. A importância da capital na história do islamismo e a simbologia de sua imagem _tanto no Oriente como no Ocidente_ fazem com que a destruição em curso seja ainda mais perversa.



Não se sabe exatamente quando Bagdá surgiu. Em 762, o califa Al-Mansur a elegeu para ser a sede do califado abássida. A escolha do lugar foi bem refletida. Bagdá encontra-se no centro da bacia mesopotâmica, às margens do rio Tigre, mas no ponto em que o Eufrates está próximo, a não mais de 40 km. A cidade domina igualmente o entroncamento com o rio Diyala e não está muito longe do sopé dos montes Zagros. O acesso ao Irã a leste, às zonas pantanosas e ao golfo Pérsico ao sul, à Anatólia ao norte e ao deserto e ao Mediterrâneo a oeste é privilegiado.



Os dois séculos que se seguiram à fundação foram uma época de ouro. A cidade transformou-se em um dos mais poderosos centros políticos do mundo islâmico e era chamada de Madînat al-Salam, a "vila da salvação". Sua importância comercial a colocou entre os principais pólos econômicos da Terra.



Também como centro de saber, estudo religioso e ciência, ganhou fama. O mundo muçulmano encontrava-se em plena expansão, ocupando o norte da África e chegando até a península Ibérica. Bagdá firmou-se nessa constelação de cidades que desempenharam um papel fundamental na cultura islâmica de então, ao lado de Córdoba, Sevilha e Granada (na Espanha), Damasco e Alep (na Síria), Jerusalém (no território palestino) e Fustat, depois Cairo (no Egito). Foi durante esse período que uma parte dos contos das "Mil e Uma Noites" foi compilada. Os ulamas, sábios islâmicos, confluíam para o califado de Bagdá.



Além da religião, da literatura e do saber muçulmanos, boa parte da herança ocidental, em particular a grega, foi preservada e transmitida pelos sábios da cidade. Enquanto a Europa ocidental se enclausurava em uma vida rural, a evolução urbana nas cidades islâmicas foi acelerada: no fim do século 8, Bagdá já alcançava 6.000 hectares e contava talvez com mais de 1 milhão de habitantes. O tecido urbano se enriquecia com palácios, mesquitas, escolas (madrasas), mercados (suqs), casas de banhos e jardins. As relações mercantis com a Índia e a China se consolidavam e Bagdá passou a ser um elo fundamental da chamada "rota da seda".



Da arquitetura desse período de esplendor, quase nada restou. A trajetória da cidade foi desde cedo também uma história de invasões e destruição. Em 1258, os mongóis destruíram Bagdá. No século 16, os otomanos conquistaram a cidade, e a ocupação se prolongou por séculos. Com o desmoronamento do Império Otomano, no fim da Primeira Guerra Mundial, a região se transformou em protetorado britânico em 1920, permanecendo nessa condição até a independência iraquiana em 1932.



A sucessão de conquistadores deixou suas marcas e contribuiu para esvaziar pouco a pouco a cidade de suas riquezas. Ainda assim, o patrimônio de Bagdá é inestimável, a começar pelo museu da cidade, principal acervo mundial sobre as civilizações mesopotâmicas. Junte a ele o mausoléu dos Imãs, a "mesquita dourada", o mausoléu de Shuravardi e a madrasa de Mustansiryya _essa, uma das mais importantes universidades do país, bombardeada nos primeiros dias da guerra.



Poucas cidades na história são tão carregadas de simbolismo cultural. No imaginário da humanidade, Bagdá ombreia com Jerusalém, Alexandria, Atenas ou Roma. No passado, outras cidades, muitas delas vizinhas, tiveram o mesmo papel, mas desapareceram sob o peso das guerras dos homens: Babilônia, Assur, Níneve, Persépolis. Infelizmente, o atual conflito, além de vidas humanas, talvez esteja riscando do mapa um símbolo.







FONTE:



Marcelo Rede é professor de história antiga da UFF (Universidade Federal Fluminense) e doutorando em assiriologia na Universidade de Paris-Sorbonne. Integra, como membro estrangeiro, o Laboratório de História e Arqueologia do Oriente Cuneiforme do CNRS de Nanterre

RÉPLICA DA TERRA SANTA NO MASP

12/08/2008 - 08h17


Masp recria Terra Santa com peças do Museu de Israel

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SILAS MARTÍ

da Folha de S.Paulo

Ele não está lá, mas tudo serve para provar que ele esteve, de fato, entre nós. Em uma mostra candidata a "blockbuster", o Masp montou uma réplica da Terra Santa no subsolo. São cerca de cem peças do Museu de Israel, de Jerusalém, muitas delas evidências arqueológicas de momentos da era cristã narrados na Bíblia. Estão reunidas em uma exposição que será aberta amanhã para o público.


PRESERVAR PATRIMÔNIO ARQUOLÓGICO NA GUERRA


Li esta matéria sobre o patrimônio histórico e sítios arqueológicos que devem ser preservados, principalmente durante a guerra. Realmente a loucura humana das guerras já causaram grandes destruições para a arqueologia, pois na hora da guerra, vencer o inimigo se torna a única coisa que importa. (Comentário do historiador Valdemir Mota de Menezes)
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19/03/2003

O patrimônio histórico iraquiano: uma vítima esquecida

MARCELO REDE

especial para a Folha Online



Nos debates sobre uma eventual guerra no Iraque, tem-se falado abundantemente das possíveis consequências econômicas globais de um ataque norte-americano, assim como das inevitáveis alterações na configuração de forças no Oriente Médio.



Tais preocupações econômicas e geopolíticas são, evidentemente, justificáveis. Uma outra esfera, no entanto, não tem recebido a devida atenção: o impacto de tais eventos sobre o patrimônio histórico iraquiano. Não se trata de pouca coisa. Se alguma vez a expressão "berço da civilização" teve sentido, foi justamente para designar o conjunto de sociedades que compuseram a antiga Mesopotâmia.



A região que corresponde hoje ao moderno Iraque viu, há alguns milênios, surgirem os primeiros esforços humanos para a domesticação dos animais e a realização da agricultura. Nas planícies banhadas pelos rios Eufrates e Tigre surgiram as primeiras cidades da história. E, ao que tudo indica, a primeira vez que o homem colocou uma língua por escrito se deu em Uruk, no sul mesopotâmico.



Assim, alguns fenômenos matriciais do que se convencionou chamar de "civilização" tiveram seus primeiros balbucios no antigo território iraquiano. Embora milenares, esses processos deixaram suas marcas na paisagem na forma de centenas de cidades, palácios, templos e quarteirões residenciais que hoje formam os "tells", as colinas que escondem abaixo de si os resíduos arqueológicos de uma experiência histórica singular. Some-se a isso os milhões de tabletes de argila em que os antigos sumérios, assírios e babilônios registraram em sua escrita cuneiforme desde simples contratos de compra e venda de terras e escravos, atos de casamento, herança, adoção, até os mais antigos textos literários da humanidade. Trata-se do maior conjunto de escritos antes da invenção da imprensa por Gutemberg e um número incalculável deles encontra-se ainda no subsolo iraquiano.



Os atentados contra esse patrimônio fazem parte da história da região. A situação de perigo não é nova. Grande parte dos objetos e textos conhecidos dos especialistas e do público provém de escavações clandestinas. No início do século 20, o sítio de Senkereh, a antiga cidade-reino de Larsa, foi de tal modo saqueado pelos beduínos que sua superfície parecia um campo de batalha. No início dos anos 30, uma intervenção da Aviação iraquiana foi necessária para abrir o terreno para arqueólogos profissionais. Os tabletes clandestinos foram parar no mercado de antiguidades antes de serem comprados por grandes museus europeus e norte-americanos.



Mesmo as expedições oficiais dos primeiros tempos da arqueologia pareceram-se mais com saques impiedosos. Monumentos inteiros foram removidos e enviados para algumas capitais ocidentais. A grandiosa porta de Ishtar da Babilônia encontra-se hoje em Berlin; os murais em pedra com relevos dos palácios assírios, em Londres; os touros alados de Khorsabad podem ser vistos no Louvre, em Paris, ao lado da famosa estela do código de Hamurabi.



Durante a época em que o Iraque fazia parte do Império Otomano, as autorizações de escavações eram dadas mediante o envio de uma parte do butim para os museus de Istambul e Ancara. Em 1932, com o país já independente, uma lei de proteção das antiguidades limitou a sangria: a partir de então, o resultado das escavações deveria ficar em território iraquiano.



A tumultuada história política recente da região, com seus conflitos étnicos e religiosos, guerras e golpes de Estado, também contribuiu para o agravamento do problema. A guerra Irã-Iraque (1980-1988) e a Guerra do Golfo (1990-1991) resultaram em destruição e paralisaram os cuidados de manutenção e a exploração científica por duas décadas.



No intervalo entre os dois conflitos, muitas missões estrangeiras retornaram ao país, mas os trabalhos não duraram. Nos últimos anos, arqueólogos e historiadores voltaram a campo. O Museu de Bagdá, que fora parcialmente esvaziado durante os intensos bombardeios da capital, estava sendo reestruturado, a duras penas devido à falta de recursos e pessoal qualificado. Os alemães voltaram a escavar Assur, uma das capitais do Império Assírio, cujo sítio está parcialmente ameaçado de inundação devido à construção da barragem de Makhul. Os franceses enviaram uma expedição a dois sítios na região do Sindjar, ao norte. Um grande colóquio internacional foi organizado no país para celebrar a invenção da escrita. O novo quadro de tensão ameaça interromper uma vez mais todos os esforços.



Quando se fala em destruição do patrimônio histórico, as atenções concentram-se normalmente sobre os estragos imediatos da guerra. Evidentemente, eles não são negligenciáveis. A poucos metros do sítio de Babilônia ergue-se um dos palácios de Saddam Hussein. Tais construções são suspeitas de acobertar laboratórios de pesquisa bélica, depósitos de armas e munição ou refúgios militares. Um ataque a tais alvos certamente causaria danos aos monumentos vizinhos.



No último conflito, arqueólogos forneceram aos militares um mapeamento dos sítios históricos a serem evitados, mas até mesmo a precisão de um bombardeio cirúrgico tem seus limites, como ficou demonstrado. O fato de os Estados Unidos não serem signatários da convenção da ONU de 1954 sobre a proteção do patrimônio histórico em situação de conflito armado faz crescer ainda mais os receios de uma ação catastrófica.